Infância

Foi-me pedido que descrevesse para um trabalho os sons imagens e emoções que marcaram a minha infância,entre os 5 e os 10 anos de idade.Como não achei fácil efectuar uma descrição e fazer um texto através do facebook,preferi usar o estaminé para fazer este rascunho.

Ora bem,como todos os miúdos também tenho vivências dessa minha infância,que contudo não foi uma infância dita "normal",devido a factores como a separação dos meus pais.Mas consigo ainda reter coisas boas desse tempo.
Lembro-me de ser uma criança que se contentava com pouco,apesar de filha única e mimada no meio do mimo veio sempre o "damos-te o que queres mas não agora.Tens que esperar."
Lembro-me de ser uma criança que ao contrário das outras não tinha muitos brinquedos,não só pelas bonecas não durarem muito tempo nas minhas mãos mas por me lembrar perfeitamente de que sempre preferi livros.O meu pai podia deixar-me na secção dos livros do hipermercado que eu não saía de lá,mas pedia sempre para levar um livro e o meu pai nunca me dizia que não.
Lembro-me de na casa onde ainda vivo ter o meu quintal cheio de vinhas e de o meu avô materno ter feito um baloiço para mim onde eu passava o tempo a andar.
Lembro-me do cheiro do café de cevada dos meus avós,do cheiro das sopas de café e pão,do Nestum com mel que comi até me enjoar e que hoje não posso ver à frente.
Lembro-me das férias no alentejo onde andava à vontade com os meus primos e onde ia para o tanque ajudar a minha avó a lavar roupa,do cheiro dos armazéns de carvão que estavam ao lado,do fresco da casa,do cheiro a terra seca,a erva seca,de andar de bicicleta e cair no chão por ter travado com o travão errado,da minha avó paterna me dizer "Inês esta é a sopa dos olhos bonitos,tens que a comer para teres os olhos bonitos", e eu devorava a sopa e queria sempre que ela a fizesse para eu ter uns olhos bonitos.Sinto ainda o cheiro do bolo de mel,da açorda e das migas que ela fazia e lembro-me do sabor do mel caseiro que tinham em casa e que eu comia às colheradas.
Lembro-me das viagens de carro com o meu pai no carocha verde e de ouvir e cantarolar o calhambeque do Roberto Carlos,de andar num carrrossel na feira e de me agarrar a ele cheia de medo de cair. Da barba que ele tinha na altura e que eu dizia "oh pai a tua barba pica".
Dos sábados de manhã em que me levantava cedo,esperava que o meu avô fosse embora para me ir deitar na cama com a minha avó e pôr-me em cima das pernas dela e fazer equilibrismos,do cheiro de gasolina da casal do meu avó,do cheiro da madeiara e cola que vinha das obras de arte que ele fazia nos tempos livres,do cheiro do tabaco que ele fumava,do cheiro da comida que a minha avó fazia e que eu me recusava a comer ou dava à cadela,ou escondia atrás do sofá e do cheiro estranho que vinha do sofá passados uns dias,de todos os dias esperar que a minha mãe me trouxesse um chocolate quando vinha do trabalho e de me fazer os trabalhos de casa de matemática,porque as contas para mim eram um martírio.
Recordo-me de tremer que nem varas verdes quando tinha que ir ao quadro na escola fazer as ditas contas,do cheiro a castanhas assadas no nosso magusto,de ir à espiga em maio,de chupar aquelas flores azedas,de ir para o pinhal dentro do carro-de-mão e de a minha avó o empurrar e fingir que era um tractor,do cheiro da cozinha a lenha onde se fazia tudo,dos tachos que estavam pretos por fora de tanto uso. 
Lembro-me de andar na mota do meu avô e na mota que o meu tio tinha onde vendia peixe e onde eu ia sentada toda contente.
Lembro-me de já saber apreciar as coisas pequenas da vida,de ter percebido que as manifestações de afecto não passavam somente pelo mimo,mas também pelas pequenas/grandes coisas do dia-a-dia

Comentários

  1. Oh... Inêzita. Que lindo texto.

    Em algumas coisas tivemos uma infância parecida, em outras bem diferente. Apesar de ser filha única, também tinha que esperar pelas coisas que queria. Tinha várias bonecas, porque acho que a minha mãe gostava mais delas do que eu, mas preferia sempre os livros, já caia de bicicleta, lembro-me tão bem dos meus avós, tanto paternos e maternos.
    Eu era mimada, muito, admito que sim, felizmente cresci bastante e mudei tanto, mas já naquela altura era uma corajosa e lembro-me de um ranhoso me dar com uma pedra nas costas e eu no dia seguinte atirei-o ao rio.

    Beijo.

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  2. Acredito que no final deste post que escreveste sentiste um misto de emoções... e isso é recordar as coisas que nos marcaram e nos fizeram crescer e nos tornar o que somos hoje. É tudo uma excelente aprendizagem!

    Beijo

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  3. Oh Loirita:
    tenho cá para mim que devemos ter idades próximas...ah maluca nem em miúda deixavas que te cansassem!!!

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  4. Essência:dei por mim com lágrimas nos olhos!!E o que sou hoje como pessoa devo muito aos meus avós tanto maternos como paternos,sem a mais pequena dúvida.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Gostei muito deste teu post. É um reviver aquela infância, que nos deixa pensativos, emocionados e com umas saudades muito grandes. E é também o contraste entre essa infância e a vontade de sair dela, de ser adulto, de ser independente. Anos mais tarde dizemos com uma certa tristeza: Quem me dera aquele tempo!!!
    Mas o tempo não volta para trás...
    Inês.
    Como comeste aquela sopa que te fazia os olhos bonitos, podes mostrar para nós se resultou!
    É que se deu resultado, podes dar-nos a receita dessa sopa para que nós também possamos usufruir desse previlégio!

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  7. Teófilo:apesar dos senãos sempre tentaram que eu tivesse uma infância feliz,e muito do que sou hoje devo-o a quem me ajudou a criar sem sombra de dúvidas.O tempo não volta para trás mas as lembranças ficam connosco para sempre.
    Quanto à sopa,é sopa de feijão verde com cenoura!!!Se funcionou ou não não sei,mas até gosto dos meus olhos.

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