A propósito do 10 de Junho

A propósito do dia de ontem retenho o discurso do Doutor António Barreto:


Nada é novo. Nunca! Já lá estivemos, já o vivemos e já conhecemos. Uma crise financeira, a falência das contas públicas, a despesa pública e privada, ambas excessivas, o desequilíbrio da balança comercial, o descontrolo da actividade do Estado, o pedido de ajuda externa, a intervenção estrangeira, a crise política e a crispação estéril dos dirigentes partidários. Portugal já passou por isso tudo. E recuperou. O nosso país pode ultrapassar, mais uma vez, as dificuldades actuais. Não é seguro que o faça. Mas é possível.
Tudo é novo. Sempre! Uma crise internacional inédita, um mundo globalizado, uma moeda comum a várias nações, um assustador défice da produção nacional, um insuportável grau de endividamento e a mais elevada taxa de desemprego da história. São factos novos que, em simultâneo, tornam tudo mais difícil, mas também podem contribuir para novas soluções. Não é certo que o novo enquadramento internacional ajude a resolver as nossas insuficiências. Mas é possível.
Novo é também o facto de alguns políticos não terem dado o exemplo do sacrifício que impõem aos cidadãos. A indisponibilidade para falarem uns com os outros, para dialogar, para encontrar denominadores comuns e chegar a compromissos contrasta com a facilidade e o oportunismo com que pedem aos cidadãos esforços excepcionais e renúncias a que muitos se recusam. A crispação política é tal que se fica com a impressão de que há partidos intrusos, ideias subversivas e opiniões condenáveis. O nosso Estado democrático, tão pesado, mas ao mesmo tempo tão frágil, refém de interesses particulares, nomeadamente partidários, parece conviver mal com a liberdade. Ora, é bom recordar que, em geral, as democracias, não são derrotadas, destroem-se a si próprias!
Há momentos, na história de um país, em que se exige uma especial relação política e afectiva entre o povo e os seus dirigentes. Em que é indispensável uma particular sintonia entre os cidadãos e os seus governantes. Em que é fundamental que haja um entendimento de princípio entre trabalhadores e patrões. Sem esta comunidade de cooperação e sem esta consciência do interesse comum nada é possível, nem sequer a liberdade.
Vivemos um desses momentos. Tudo deve ser feito para que estas condições de sobrevivência, porque é disso que se trata, estejam ao nosso alcance. Sem encenação medíocre e vazia, os políticos têm de falar uns com os outros, como alguns já não o fazem há muito. Os políticos devem respeitar os empresários e os trabalhadores, o que muitos parecem ter esquecido há algum tempo. Os políticos devem exprimir-se com verdade, princípio moral fundador da liberdade, o que infelizmente tem sido pouco habitual. Os políticos devem dar provas de honestidade e de cordialidade, condições para uma sociedade decente.
Vivemos os resultados de uma grave crise internacional. Sem dúvida. O nosso povo sofre o que outros povos, quase todos, sofrem. Com a agravante de uma crise política e institucional europeia que fere mais os países mais frágeis, como o nosso. Sentimos também, indiscutivelmente, os efeitos de longos anos de vida despreocupada e ilusória. Pagamos a factura que a miragem da abundância nos legou. Amargamos as sequelas de erros antigos que tornaram a economia portuguesa pouco competitiva e escassamente inovadora. Mas também sofremos as consequências da imprevidência das autoridades. Eis por que o apuramento de responsabilidades é indispensável, a fim de evitar novos erros.
Ao longo dos últimos meses, vivemos acontecimentos extraordinários que deixaram na população marcas de ansiedade. Uma sucessão de factos e decisões criou uma vaga de perplexidade. Há poucos dias, o povo falou. Fez a sua parte. Aos políticos cabe agora fazer a sua. Compete-lhes interpretar, não aproveitar. Exige-se-lhes que interpretem não só a expressão eleitoral do nosso povo, mas também e sobretudo os seus sentimentos e as suas aspirações. Pede-se-lhes que sejam capazes, como não o foram até agora, de dialogar e discutir entre si e de informar a população com verdade. Compete-lhes estabelecer objectivos, firmar um pacto com a sociedade, estimular o reconhecimento dos cidadãos nos seus dirigentes e orientar as energias necessárias à recuperação económica e à saúde financeira. Espera-se deles que saibam traduzir em razões públicas e conhecidas os objectivos das suas políticas. Deseja-se que percebam que vivemos um desses raros momentos históricos de aflição e de ansiedade colectiva em que é preciso estabelecer uma relação especial entre cidadãos e governantes. Os Portugueses, idosos e jovens, homens e mulheres, ricos e pobres, merecem ser tratados como cidadãos livres. Não apenas como contribuintes inesgotáveis ou eleitores resignados.
É muito difícil, ao mesmo tempo, sanear as contas públicas, investir na economia e salvaguardar o Estado de protecção social. É quase impossível. Mas é possível. É muito difícil, em momentos de penúria, acudir à prioridade nacional, a reorganização da Justiça, e fazer com que os Juízes julguem prontamente, com independência, mas em obediência ao povo soberano e no respeito pelos cidadãos. É difícil. Mas é possível.
O esforço que é hoje pedido aos Portugueses é talvez ímpar na nossa história, pelo menos no último século. Por isso são necessários meios excepcionais que permitam que os cidadãos, em liberdade, saibam para quê e para quem trabalham. Sem respeito pelos empresários e pelos trabalhadores, não há saída nem solução. E sem participação dos cidadãos, nomeadamente das gerações mais novas, o esforço da comunidade nacional será inútil.
É muito difícil atrair os jovens à participação cívica e à vida política. É quase impossível. Mas é possível. Se os mais velhos perceberem que de nada serve intoxicar a juventude com as cartilhas habituais, nem acreditar que a escola a mudará, nem ainda pensar que uma imaginária "reforma de mentalidades" se encarregará disso. Se os dirigentes nacionais perceberem que são eles que estão errados, não as jovens gerações, às quais faltam oportunidades e horizontes. Se entenderem que o seu sistema político é obsoleto, que o seu sistema eleitoral é absurdo e que os seus métodos de representação estão caducos.
Como disse um grande jurista, “cada geração tem o direito de rever a Constituição”. As jovens gerações têm esse direito. Não é verdade que tudo dependa da Constituição. Nem que a sua revisão seja solução para a maior parte das nossas dificuldades. Mas a adequação, à sociedade presente, desta Constituição anacrónica, barroca e excessivamente programática afigura-se indispensável. Se tantos a invocam, se tantos a ela se referem, se tantos dela se queixam, é porque realmente está desajustada e corre o risco de ser factor de afastamento e de divisão. Ou então é letra morta, triste consolação. Uma nova Constituição, ou uma Constituição renovada, implica um novo sistema eleitoral, com o qual se estabeleçam condições de confiança, de lealdade e de responsabilidade, hoje pouco frequentes na nossa vida política. Uma nova Constituição implica um reexame das relações entre os grandes órgãos de soberania, actualmente de muito confusa configuração. Uma Constituição renovada permitirá pôr termo à permanente ameaça de governos minoritários e de Parlamentos instáveis. Uma Constituição renovada será ainda, finalmente, o ponto de partida para uma profunda reforma da Justiça portuguesa, que é actualmente uma das fontes de perigos maiores para a democracia. A liberdade necessita de Justiça, tanto quanto de eleições.
Pobre país moreno e emigrante, poderás sair desta crise se souberes exigir dos teus dirigentes que falem verdade ao povo, não escondam os factos e a realidade, cumpram a sua palavra e não se percam em demagogia!
País europeu e antiquíssimo, serás capaz de te organizar para o futuro se trabalhares e fizeres sacrifícios, mas só se exigires que os teus dirigentes políticos, sociais e económicos façam o mesmo, trabalhem para o bem comum, falem uns com os outros, se entendam sobre o essencial e não tenham sempre à cabeça das prioridades os seus grupos e os seus adeptos.
País perene e errante, que viveste na Europa e fora dela, mas que à Europa regressaste, tens de te preparar para viver com metas difíceis de alcançar, apesar de assinadas pelo Estado e por três partidos, mas tens de evitar que a isso te obrigue um governo de fora.
País do sol e do Sul, tens de aprender a trabalhar melhor e a pensar mais nos teus filhos.
País desigual e contraditório, tens diante de ti a mais difícil das tarefas, a de conciliar a eficiência com a equidade, sem o que perderás a tua humanidade. Tarefa difícil. Mas possível.

Até podia pôr o conhecido vídeo que mostra os nossos séculos de história, e o que fizemos até hoje, as nossas lutas, as nossas participações em importantes eventos históricos. Isso, o vídeo feito pela Câmara Municipal de Cascais que tinha como objectivo mostrar a nossa a raça,a nossa fibra. Contudo acho o discurso do Doutor António Barreto muito mais realista e quem sabe optimista, tendo pelo meio um "abram os olhos minha gente, mas com força a gente vai lá. É disso que precisamos: de incentivo, de coragem, de força, para sairmos deste buraco e nunca mais lá voltarmos. Estive a fazer as contas, e basicamente desde que eu nasci que estamos em crise...e eu tenho 30 anos. Para mim isto dá que pensar. E não precisamos de um governo (escolhi parte dele), que nos diga coisas bonitas. Precisamos que trabalhem e que nos deixem trabalhar. Precisamos que sejam transparentes e coerentes. Precisamos acima de tudo que sejam verdadeiros, porque de falácias e de outras realidades ando eu farta. Ando eu e acho que andamos todos.
E o discurso do Doutor António Barreto diz tudo. Está lá tudo escrito. Espero que os nossos governantes não tenham feito "ouvidos de mercador". O que vem não é fácil, vai ser uma fase que nos vai custar muito. Mas é aí que a política e os políticos de devem unir, e deixar de parte os seus enormes egos. Se se exige de nós capacidade de sacrifício, não é demais que nós exigamos o mesmo deles. É o nosso direito e o nosso dever.


Comentários

  1. Minha querida, tenho de te dar os parabéns.
    Sabes como eu sou brincalhona, estou sempre a "reinar" contigo... mas hoje falo mesmo a sério. Este teu post está muito bom.
    Mostras uma lucidez e um sentido de oportunidade cada vez melhores e estás sempre atenta.
    Tocas no centro da questão e não tens medo de "chamar os bois pelos nomes".

    Continua. É por haver pessoas como tu que ainda continua a valer a pena andar por aqui.

    Beijo grande.

    ResponderEliminar
  2. Orquídea: tu com os teus comentários deixas-me sem jeito.Fico meio babada e meio embasbacada.

    ResponderEliminar
  3. Minha querida, só disse o que penso e sinto... e não te fiz nenhum favor.

    :)

    ResponderEliminar
  4. Carissima Ines hoje até diria que bebeste um copito a mais, provavelmente é uma nova mistura que delicadamente te ofereceram em tarde de incio de verão e a que eu chamaria " Baunilha de Ilusoes".

    Mas passemos ao que interessa.
    "É muito dificil,...sanear as contas publicas,investir....,e salvaguardar o estado social...Mas é possível."
    Não, Não e não, é impossivel.
    Tal como tudo na vida temos de fazer escolhas e opções conscientes ou inconscientes que irão conduzir a que o Estado social passe gradualmente na direcção do caixote do lixo da historia...ou seja vai ficar reduzido à sua expressão mais exigua e pobre.

    Nas tenhas ilusões (desculpa lá é bom ter ilusões) o Dr. Antonio Barreto é uma personagem brilhante, sempre o foi e espero que continue a ser, mas a questão é que ninguem ouve nem liga aos homems brilhantes e muito menos os politicos...e se tens duvidas pergunta ao Dr. Soares " ouve, aplaude, e esquece de seguida"


    Califado

    ResponderEliminar
  5. Passei para retribuir o carinho...

    bjs

    ResponderEliminar
  6. Califado: mas é pena e é triste se isso acontecer. É altura de darem ouvidos ao Dr António Barreto, de porem aqueles egos do tamanho do universo de lado e aprenderem e saberem dialogar.Já não falo no meu futuro, porque a faixa etária dos 30, neste país é suposto ser classe média, estar bem na vida, casados, com filhos, carreira e por aí adiante.Falo sim do futuro das gerações que vêm aí. E já passou o tempo do famoso "olhe que não,olhe que não". Se nós elegemos aqueles senhores para governo e respectiva AR, não estamos a pedir nada do outro mundo. Não nos representam? Então trabalhem em nossa função, porque é para isso que lá estão e é para isso que são pagos.

    ResponderEliminar
  7. Vintenso: Ora essa!!!Obrigada!Mais uma vez parabéns pelo excelente texto!!!Bjs

    ResponderEliminar

Enviar um comentário